quarta-feira, 14 de agosto de 2013

Lira XIX

Enquanto pasta, alegre, o manso gado,
Minha bela Marília, nos sentemos
À sombra deste cedro levantado.
Um pouco meditemos
Na regular beleza,
Que em tudo quanto vive nos descobre
A sábia Natureza. 
Atende, como aquela vaca preta
O novilhinho seu dos mais separa,

E o lambe, enquanto chupa a lisa teta.
Atende mais, ó cara,
Como a ruiva cadela
Suporta que lhe morda o filho o corpo,
E salte em cima dela. 

Repara como, cheia de ternura,
Entre as asas ao filho essa ave aquenta,
Como aquela esgravata a terra dura,
E os seus assim sustenta;
Como se encoleriza
E salta sem receio a todo o vulto
Que junto deles pisa.
Que gosto não terá a esposa amante,
Quando der ao filhinho o peito brando
E refletir então no seu semblante!
Quando, Marília, quando
Disser consigo: “É esta
De teu querido pai a mesma barba,
A mesma boca e testa.”

Que gosto não terá a mãe, que toca,
Quando o tem nos seus braços, co dedinho
Nas faces graciosas e na boca
Do inocente filhinho!
Quando, Marília bela,
O tenro infante já com risos mudos
Começa a conhecê-la!

Que prazer não terão os pais, ao verem
Com as mães um dos filhos abraçados;
Jogar outros a luta, outros correrem
Nos cordeiros montados!
Que estado de ventura:
Que até naquilo, que de peso serve,
Inspira Amor doçura!

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INTERPRETAÇÃO:

Essa lira fala sobre as fêmeas com seus filhotes, e fala do carinho e amor que elas têm por eles. Mesmo ou animais sendo contados como aqueles que não têm um pensamento racional, e apesar de sofrerem, elas reconhecem que são seus filhotes e aceitam, pois estão reproduzindo sua espécie. Fala sobre o que uma mãe passa ao cuidar de seu filho, não só de um animal, um fêmea que tem o seu filhote, mas fala da alegria que também sentem ao vê-los, ao ter eles em suas mãos. Fala que tudo isso inspira um grande e doce amor.


CARACTERÍSTICAS DO ARCADISMO:
                                                                        
Usa da Simplicidade de temas e de linguagem - propondo uma arte mais natural,mais espontânea,com um estilo mais simples.
Usa também do Fingimento poético - a identificação dos autores árcades com a cultura clássica era tal que é muito frequente o uso de églogas (poemas pastoris) e outros poemas em que os poetas fingem-se de pastores e chagam a utilizar pseudônimos gregos e romanos. É percebida pois o autor faz referência a animais do campo, como o novinho.

SITUAÇÃO HISTÓRICA:

Nesse caso o eu lírico convida Marília a refletir sobre aquilo que nos ensina a sábia Natureza. Tendo por propósito reafirmar a necessidade de tomar a natureza como medida de tudo que é bom, belo e verdadeiro. Que para os árcades é a condição para uma vida feliz e tranquila.

GLOSSÁRIO:

Cedro : Nome comum de diversas árvores coníferas.
Aquenta : Aquece,esqueta.
Tenro Infante : Sinônimo de boca.
Ventura : Sorte, felicidade.


Matheus Souza Feitosa.
Número: 26



Lira II

Pintam, Marília, os Poetas
A um menino vendado,
Com uma aljava de setas,
Arco empunhado na mão;
Ligeiras asas nos ombros,
O tenro corpo despido,
E de Amor, ou de Cupido
São os nomes, que lhe dão.

Porém eu, Marília, nego,
Que assim seja Amor; pois ele
Nem é moço, nem é cego,
Nem setas, nem asas tem.
Ora pois, eu vou formar-lhe
Um retrato mais perfeito,
Que ele já feriu meu peito;
Por isso o conheço bem.

Os seus compridos cabelos,
Que sobre as costas ondeiam,
São que os de Apolo mais belos;
Mas de loura cor não são.
Têm a cor da negra noite;
E com o branco do rosto
Fazem, Marília, um composto
Da mais formosa união.

Tem redonda, e lisa testa,
Arqueadas sobrancelhas;
A voz meiga, a vista honesta,
E seus olhos são uns sóis.
Aqui vence Amor ao Céu,
Que no dia luminoso
O Céu tem um Sol formoso,
E o travesso Amor tem dois.

Na sua face mimosa,
Marília, estão misturadas
Purpúreas folhas de rosa,
Brancas folhas de jasmim.
Dos rubins mais preciosos
Os seus beiços são formados;
Os seus dentes delicados
São pedaços de marfim.

Mal vi seu rosto perfeito
Dei logo um suspiro, e ele
Conheceu haver-me feito
Estrago no coração.
Punha em mim os olhos, quando
Entendia eu não olhava:
Vendo o que via, baixava
A modesta vista ao chão.

Chamei-lhe um dia formoso:
Ele, ouvindo os seus louvores,
Com um gesto desdenhoso
Se sorriu, e não falou.
Pintei-lhe outra vez o estado,
Em que estava esta alma posta;
Não me deu também resposta,
Constrangeu-se, e suspirou.

Conheço os sinais, e logo
Animado de esperança,
Busco dar um desafogo
Ao cansado coração.
Pego em teus dedos nevados,
E querendo dar-lhe um beijo,
Cobriu-se todo de pejo,
E fugiu-me com a mão.

Tu, Marília, agora vendo
De Amor o lindo retrato,
Contigo estarás dizendo,
Que é este o retrato teu.
Sim, Marília, a cópia é tua,
Que Cupido é Deus suposto:
Se há Cupido, é só teu rosto,
Que ele foi quem me venceu.

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INTERPRETAÇÃO:

        O autor começa fazendo a descrição do cupido que os artistas estão pintando e descrevendo. Porém ele discorda da visão dos artistas, e diz que para ele, cupido, é alguém que o feriu. Ele tem uma visão meio dupla do cupido, pois, uma hora ele odeia amar Marília, e na outra, é só o que ele queria ter na vida: o amor dela. Para ele, Marília, tem uma beleza maior que a de um deus. Na última estrofe, ele assume que se rendeu a sua beleza inegável.


CARACTERÍSTICAS DO ARCADISMO:

  • Estado de espírito de espontaneidade dos sentimentos, ao decorrer do poema, ele vai falando do amor que ele sente por Marília na maior naturalidade.
  • Exaltação da pureza, da ingenuidade e da beleza, quando ele começa a falar sobre Marília e sua tamanha beleza, que ele até compara com a de um deus.

SITUAÇÃO HISTÓRICA:

Esta lira foi escrita na mesma época que ocorreu a Inconfidência Mineira. Há especulações que Tomás Gonzaga seria o primeiro dentre os primeiros dos inconfidentes, ou seja, seria o verdadeiro líder da conspiração, o líder moral, intelectual e decisório. 

GLOSSÁRIO:

Aljava: bolsa.
Setas: Flechas.
Purpúreo: Vermelho.


Myllena Marques.
Número: 28


Assonância

Lira IV

Mais funda e maior.
Marília, escuta.

Lira XXXIII

Ah! Pinta, pinta
A minha bela!
E em nada a cópia
Se afaste dela.

Myllena Marques.
Número: 28

Lira V


Acaso são estes
Os sítios formosos.
Aonde passava
Os anos gostosos?
São estes os prados,
Aonde brincava,
Enquanto passava
O gordo rebanho,
Que Alceu me deixou?

São estes os sítios?
São estes; mas eu
O mesmo não sou.
Marília, tu chamas?
Espera, que eu vou.

Daquele penhasco
Um rio caía;
Ao som do sussurro
Que vezes dormia!
Agora não cobrem
Espumas nevadas
As pedras quebradas;
Parece que o rio
O curso voltou.

São estes os sítios?
São estes; mas eu
O mesmo não sou.
Marília, tu chamas?
Espera, que eu vou.

Meus versos alegre
Aqui repetia:
O eco as palavras
Três vezes dizia,
Se chamo por ele,
Já não me responde;
Parece se esconde,
Casado de dar-me
Os ais, que lhe dou.

São estes os sítios?
São estes; mas eu
O mesmo não sou.
Marília, tu chamas?
Espera, que eu vou.

Aqui um regato
Corria sereno
Por margens cobertas
De flores, e feno:
À esquerda se erguia
Um bosque fechado,
E o tempo apressado,
Que nada respeita,
Já tudo mudou.

São estes os sítios?
São estes; mas eu
O mesmo não sou.
Marília, tu chamas?
Espera, que eu vou.

Mas como discorro?
Acaso podia
Já tudo mudar-se
No espaço de um dia?
Existem as fontes,
E os freixos copados;
Dão flores os prados,
E corre a cascata,
Que nunca secou.

São estes os sítios?
São estes; mas eu
O mesmo não sou.
Marília, tu chamas?
Espera, que eu vou.

Minha alma, que tinha
Liberta a vontade,
Agora já sente
Amor, e saudade,
Os sítios formosos me agradaram,
Ah! Não se mudaram;
Mudaram-se os olhos,
De triste que estou.

São estes os sítios?
São estes; mas eu
O mesmo não sou.
Marília, tu chamas?
Espera, que eu vou.
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INTERPRETAÇÃO:


A lira começa com Dirceu se perguntando por onde estava Marília nos seus dias maravilhosos, onde eram os campos que Marília brincava por onde passavam rebanhos deixados por Dirceu  (pseudônimo de Alvarenga Peixoto). Na lira se repete que Dirceu já não é o mesmo e que vai sempre que sua amada Marília lhe chamar. No final da lira Dirceu diz que os sítios são os mesmos com exceção de seus olhos que já não são os mesmos por causa da tristeza da saudade.

CARACTERÍSTICAS DO ARCADISMO:
  • Bucolismo: Há na lira a idealização da vida campestre falando sítios formosos com campos, rebanhos, rios.  Deixando na lira elementos da fauna e da flora em. ‘’Aqui um regato corria sereno por margens cobertas de flores, e feno’’.
  • Faz o uso de pseudônimo com o nome '' Alceu'' que seria Alvarenga Peixoto.
SITUAÇÃO HISTÓRICA:

Essa lira foi escrita na época da Inconfidência Mineira e publicada em 1972 quando Tomás Antônio Gonzaga partiria para exílio em Moçambique. Ele relata o amor que teve pela brasileira Maria Dorotéa Joaquina de Seixas.

GLOSSÁRIO:


Prado: Campos. Campo que serve para pastagem.
Regato:  Pequeno ribeiro, riacho, córrego, arroio.
Sereno: Limpo de nuvens; calmo, tranquilo.
Claro; puro.
Feno:  Erva ceifada e seca, de cheiro forte e agradável, para alimento de bovinos e outros animais.
Discorrer: Falar sobre, mencionar ou mensurar a respeito de ato ou fato acontecido
Freixos: Árvore das florestas dos climas temperados
Copados: (Copa) A parte superior e convexa da ramagem da árvore.
Ais: Dores, mágoas.


Marcos Vinícius.
 Número: 23